Mario dos Santos Lima

Vivo intensamente o agora

Meu Diário
23/06/2012 19h33
UM CONTO DE AMOR

 

 

         Eu sempre achei minha mãe muito linda, não pelo olhar místico de um filho, mas pelo olhar severo de um homem que sempre soube distinguir o garbo sutil nas mínimas atitudes. Ela era demais.
            Minha mãe tinha o dom da elegância não extravagante, da elegância desobrigada, solta; da elegância que flutua, que encanta, se encarna independentemente do traje que seu corpo traz sobre si. Ela era muito mais anjo que mulher. Ela era divina.
            Minha mãe não andava, ela flutuava. Seus gestos eram finos, requintados que me embebiam de prazer com sua presença.
            Minha mãe tinha uma visão generosa do mundo, pois nunca reclamava de nada e nos ensinou a agradecer a Deus a todo o momento pelo dom da vida. Suas atitudes sempre gentis marcaram muito para mim a elegância amável de minha mãe. Sabia ouvir com paciência e com sabedoria orientar. Não deixou desafetos. Tinha um semblante sereno e extravasava seus conselhos numa voz mansa e suave.
            Dona Maria como de costume eu a chamava, era fantástica, inimitável no seu jeito generoso de nos tratar. Ela era de ferro, nada a abatia ou a tornava exausta. Mesmo doente seu sorriso era autentico e sempre preocupado conosco.
            Lembro-me de suas delicadas mãos até ao nos bater quando traquinas transgredíamos os limites permitidos. Suas mãos postas nos ensinando a rezar. Sim me lembro! Suas ágeis mãos elaborando rendas de crochê. Suas incansáveis mãos costurando na Singer manual nossas fatiotas. Como eu amava estar ao seu lado quando no seu trabalho de costura. Ficava fascinado admirando sua destreza. Lembro-me de suas mãos nos afagando, suas mãos nos orientando, suas mãos nos banhando, suas mãos desenhando figuras, paisagens e nos mostrando assim a arte da pintura. Quem teve uma mãe como eu , já nasceu privilegiado, nasceu abençoado.
            Ela era nobre de espírito. Não era presunçosa, mas sabia da sutileza que tinha em cuidar de si sem estroinice. Era uma menina que enfeitava nossa casa.
            Ela era meiga e sensível.
            Eu era pequeno, mas me lembro bem da faceirice dela ao receber um dia de presente um corte de seda de meu pai. Seus olhos azuis brilharam de uma maneira inexplicável. Lembro-me bem também da imensa tristeza que seus olhos mostraram nas lágrimas tantas escorridas ao cortar acidentalmente o tecido de seda. Olhou-me e como se eu entendesse falou:
            - Não vai sair como planejei, mas vai ficar muito mais lindo, enxugou as lágrimas e continuou seu trabalho.
            Ela era corajosa, firme e decidida uma verdadeira estrategista.
            Neste pretenso ensaio que descrevo em rápidas pinceladas tenho orgulho de mostra a grande mulher que tive o privilégio de ter como mãe.
            Minha mãe não morreu, pois a morte no sentido real ceifa a vida e consome a carne; o vivente simplesmente desaparece; ela por misericórdia e vontade deste Deus amoroso se ausentou corporalmente de nós, e assim ela graciosamente nos vela com sua nobreza de espírito.
            Minha mãe é então a saudade boa que tenho.

 


Publicado por Mario dos Santos Lima em 23/06/2012 às 19h33
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17/06/2012 17h09
MINHA MAGRELA HOLANDESA

 

 

meus documentos                        Só bem mais tarde eu fiquei sabendo do que aconteceu.

                        Ela desapareceu e nunca mais fiquei sabendo do seu paradeiro!

                        Certa vez!...

                        A saudade já corroia minha alma e eu absorto em mil pensamentos perambulava pelas ruas naquela madrugada fria. Aqui e ali um pulguento ladrava e em vôos rasteiros alguma ave noturna farfalhava suas asas, de um lado ao outro, na busca de alimento.

                        E nada mais existia, apenas eu e o mundo.

                        A lua, companheira das madrugadas, caminhava comigo silenciosa iluminando meus passos hesitantes.  Ela, branca tal qual uma noiva, respingava em luzes respeitando meu silêncio.

                        A viela, margeada de flores, cercas podres caindo, poças de água imunda e postes bêbados enfileirados, dava um tom melancólico as minhas tristes lembranças.

                        Caminhava no meu caminhar, de passos perdidos, quando ouço uma voz lânguida, medrosa, suplicante que em desespero me chama de um jeito especial. Reconheço aquela voz metálica. – Por certo é ela, pensei comigo, e perturbado, assustado, parei e feito sonâmbulo fui atraído involuntariamente para o local.

                        - Meu chefe!

                        Aquela voz sumida, triste foi melodia para meus ouvidos naquele momento.

                        - É ela, é ela! Sim é ela, eu reconheço, pois era assim que me chamava.

                        Um misto de tristeza e alegria invadiu minha alma. Alegria por encontrá-la finalmente depois de tanto tempo e tristeza pelo lamentável estado em que a encontrei.

                        Quase de joelhos, ao lado dela, passei delicada e demoradamente meus dedos por todo o seu frio corpo. Queria absorver aos poucos, numa sensação de retrocesso, todo o tempo perdido. Uma lágrima morna desprendeu-se de meus olhos e correu salgada molhando o canto de minha boca.

                        - O que aconteceu com você? Supliquei para ela.

                        E assim, enquanto eu a acariciava, ela começou em profundo soluço falando.

                        - Eu e a Laura nos divertíamos muito!

                        Alguns segundos de sepulcral silêncio, e ela então continuou:

                        - Eu me lembro bem que você me deixava a um canto pedindo para que dali não saísse até a sua volta, mas sua irmã vinha e dizia:

                        - Vamos, vamos sair! Ninguém vai ficar sabendo!

                        - Eu acho que não vou não. Meu chefe vai ficar zangado.

                        - Vamos sim! Eu prometo que deixo você no mesmo lugar.

                        E ela, demonstrando uma saudosa alegria continuou.

                        - E saíamos às duas feitas doidivanas correndo de um lado para outro. Muitos tombos eu levei e ela preocupada cuidadosamente me limpava.

                         Ela suspirou e por algum tempo ficou silenciosamente como que remoendo saudosos momentos passados.

                        Respeitei o seu silêncio, mas com um pouco de raiva, neste intervalo de tempo, pensei:

                        - Ah! Minha irmã, então era você que brincava escondida com a minha holandesa?

                        Em voz sumida completou dizendo:

                        - A minha vida era tão boa, com você e às escondida com sua irmã, mas numa noite escura, lamentavelmente fui seqüestrada.

                        Suspirou demoradamente e continuou:

                        - Enquanto ele me levava eu gritava em vão -“Deixa-me, deixa-me vil ladrão! Quero voltar para meu chefe; Quero brincar com a irmã dele. Deixe-me, deixe-me”

                        E com uma tristeza infinda completou:

                        - Inutilmente eu supliquei para aquele desalmado ladrão e assim fui usada, abusada e abandonada aqui neste local.

                        - Maldito ladrão! Pensei eu.

                        Seu sepulcral silêncio indicou que tudo era tristemente finalizado. Inutilmente eu a chamei. Gritei num grito de dor, e meu grito se perdeu confuso no grito de tantos outros gritos naquela madrugada fria. Chorei lágrimas de dor, raiva e desespero.

                        Juntei o que restou da bicicleta e continuei meu caminhar solitário.


Publicado por Mario dos Santos Lima em 17/06/2012 às 17h09
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10/06/2012 19h08
O GRANDE CIRCO

 

 

O GRANDE CIRCO

Por: Mario dos Santos Lima

 

meus documentos                        O circo, segundo a literatura velha, empoeirada e estocada em bibliotecas e também perdida em prateleiras particulares por aí, diz-se dele que é uma empresa itinerante que congrega artistas de diferentes especialidades, tais como malabaristas que faz desaparecer dinheiro, documentos e outras coisas de forma habilidosa; os funâmbulos que vivem na corda bamba, mas não caem; os ilusionistas que enganam o povo com suas habilidades, e principalmente os engraçados palhaços.

                        Ah! Os palhaços como eu gostava e me divertia com eles.

                        Todos estes artistas faziam a graça e a diversão do povo que sentados na arquibancada, em tábuas rústicas ao derredor do picadeiro, aplaudiam e riam à beça. A família, os amigos e os vizinhos estavam juntos. Suas interpretações teatrais não apenas demonstravam interesses individuais e sim despertavam a consciência mútua, sobre o amor, o respeito e a honestidade. Era singelo, mas eficaz.

                        Uma das características do circo era sua lona. De longe a gente avistava-a e se empolgava. Ela exercia um fascínio inexplicável e funcionava tal qual um imã.

                        O circo já fez história por mais de quatro mil anos; Foi praticamente institucionalizado pelos romanos, antes de Cristo, que tinham como política, para conter a insatisfação do povo, pão e circo, e por fim profissionalizado pelos ingleses no século dezoito, e agora?...

                        No meu tempo de guri o circo chegava barulhento na cidade, mas sempre em temporada curta. A petizada curiosa corria e ficava em derredor dele apreciando os animais e vendo, como num passe de mágica, a lona ser erguida. O circo quando se instalava na cidade era assunto sério na pauta de qualquer discussão familiar.

                        - Cuidado com as crianças! Sempre o pai cuidadoso alertava em casa.

                        A lenda era de que o pessoal do circo roubava as crianças e dava de alimento aos animais, mas o certo mesmo é de que a cachorrada vadia da cidade e alguns gatos eram pratos prediletos das onças e outros animais e não as crianças. O circo além da graça que apresentava tinha por função ser o predador natural dos vira-latas e gatos abandonados.

                        Eu tenho saudade dos circos de minha época de meninice. Os donos eram verdadeiros empreendedores e estrategistas. Eles sabiam organizar bons espetáculos, fazer boas propagandas e estabelecer o tempo de permanência no local antes que curva de demanda caísse. Era da bilheteria a renda para sustentar as despesas com alimentação aos bichos, salários aos artistas e manutenção dos fatores de operação. Ninguém ganhava por fora e a platéia concordava com o valor da entrada.

                        O circo foi se transformando para atender as exigências do público e foi, aos poucos, se encolhendo sufocada principalmente pela televisão.

                        Da grandiosidade e importância do circo de antigamente hoje, pequeno e na palidez do desterro luta heroicamente para sobreviver nas mãos de alguns circenses que quase no anonimato, com suas lonas velhas, furadas sustentadas parcamente por ferros enferrujados, se apresentam em cenas bizarras de pouca expressão. São valentes nesta luta inglória.

                        A luta é inglória e por quê?

                        Fazendo uma analogia, o circo hoje é um anão desarmado que se embate contra um gigante fortemente municiado.

                        Quem é este gigante invejoso que veio buscar das lonas o aprendizado e roubar seu público inocente?

                        O gigante tem dois tentáculos – A televisão e os políticos.

                        A lona virou o teto de nossa casa, a arquibancada o nosso sofá, e o picadeiro a tela da televisão. E os ilusionistas, os mágicos, os equilibristas e os palhaços?

                        Ah! Estes graciosos artistas de antanho hoje são vermes que empobrecem nossos anseios e enche de imundície a nossa vida. Deixam aniquilados os cérebros de nossas crianças. São vazios na essência do saber e nos encharcam a alma de banalidades, de imoralidades e desrespeito com nossos ideais. O picadeiro se individualizou e se multiplicou pela casa. Nós nos drogamos lentamente sozinhos.

                        O gigante hoje quer apenas ganhar dinheiro e embrutecer o nosso espírito. A telinha está rica de inutilidades e a lona que vemos em cada cidade, em cada estado e capital do país está cheia de malabares, de mágicos e de palhaços que lá os empregamos com nossos votos. Cada um de nós é o grande circense que tem o poder de colocar estes canalhas que se prestam ao ridículo como vereadores, prefeitos, deputados, senadores e presidente sob a grande lona de seus palácios.

                        Eles nos representam? Desta forma, nós é que somos os palhaços, travestidos nestes velhacos, rindo da própria desgraça no grande circo que instalamos. O circo se institucionalizou.

 

 


Publicado por Mario dos Santos Lima em 10/06/2012 às 19h08
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