NARCISISTA PREGUIÇOSO
Afinal o que é ser um indivíduo narcisista? Será que é aquele que se olha no espelho em demoradas delongas e só enxerga aquilo que quer ver, tal qual a bruxa amigona da branca de neve? A bem da verdade um narcisista da gema é um cara empreendedor da sua própria imagem, aquele que vai à luta, mas frente a um problema real sentem-se amargados e frustrados e carregam um sofrimento muito grande dentro de si. Não se amam porque não se conhecem visto que ao se olharem no espelho usam máscaras, e ao criticar e espezinhar procuram nos outros o verso do que vê neles. Todos nós temos um rasgo narcisista, isto é de nascença. Um narcisista pode ser um preguiçoso? Com certeza não, visto que o preguiçoso é aquele indivíduo avesso a atividades que mobilizem esforço físico ou mental. É um cara indolente, mandrião, completamente tardo. O narcisista é um cara egoísta, mandão e sempre empenhado na produção de sua beleza. Sofre por dentro, mas aparentemente é o bonzão. Não sei se sonhei ou se a coisa foi real, mas o que vou contar agora é sobre um narcisista preguiçoso. Era um sapo feio e rabugento que morava ao lado da lagoa, em cima de uma pedra lá no brejo fundo. Eu acho que ele nasceu colado naquela pedra, não saia de cima dela prá nada, tamanha era a preguiça do desgraçado. Vivia criticando tudo e a todos e se achava muito lindo e o rei da cocada preta. Ele supunha que era tudo isto, mas não se olhava no espelho da água, que ficava logo ali perto, porque tinha preguiça de se locomover até ela. Era asqueroso no jeito de coaxar, e era insuportável permanecer ao lado dele. - Croc, croc, você me acha bonito? Perguntava o infeliz para mim, e eu, esgueirando-se, fingindo que não escutava, saía de fininho. Ficava à distância observando o pobre infeliz. Um dia brigou feio com a sapa, sua namorida, que não agüentando tanto desaforo foi para outro brejo levando os sapinhos seus filhos. - Croc, croc, que bicho feio você é! Dizia para o coelho que por ali passava. - Vá se olhar na água! Respondia o coelho que em pulos se afastou xingando. Croc, croc e lá ficava o sapo, feito uma estátua pregada na pedra, dizendo impropérios para quem por lá se atrevesse passar. Com a imensa preguiça de caçar bichinhos emagrecia a olhos vistos. Olheiras terríveis pintavam seus olhos e seu esqueleto era aparente. Sapo já é feio por natureza, imaginem um bicho deste, esquelético, e com profundas olheiras! De preguiça não trocava a roupa e nem limpava a bunda. Fedia mais que gambá atropelado. Pela sua intolerância os bichos, pouco a pouco, foram se mudando para outros brejos. Até os peixes na lagoa viviam em grupos de oração, implorando para que o deus deles mandasse algum pescador esfomeado para pescá-los. Queriam ser pescados para se livrarem deste canastrão nojento e intolerável. - Croc, croc, você é feio, croc, croc você é imprestável! Era assim que ele tratava os outros bichos que por ali passassem. - Croc, croc eu sou lindo! Eu sou o melhor! Lá ficava o sapo fincado na pedra, já quase sem forças, nesta cantilena grotesca. Sentia fome, mas tinha preguiça de tirar a língua para capturar os poucos insetos que por ali se aventuravam passar. Queria se mirar no espelho d’água para ver sua suposta beleza, mas queria que a lagoa viesse até ele. Seus olhos turvos pela fraqueza já não enxergavam mais nada, mas seu debilitado pulmão ainda servia de fole para permitir que ele gritasse impropérios até para a sombra dele. Agora, praticamente cego, para ele tudo era escuro. Amaldiçoava então a escuridão. Vi um dia quando a morte dele chegou. Era uma sapa óssea sustentando uma ceifadeira. Ela era uma princesa linda comparado ao sapo imundo que veio buscar. - Croc, croc que coisa feia você é! Teve ainda forças para xingar a morte. Relutante, mas sem se mexer do lugar entregou sua alma para a sapa morte. Morreu feliz o infeliz, e no brejo fundo retornaram os bichos que festejaram sua morte por mais de uma semana.
Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 01/10/2012
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