UM MENDIGO FELIZ NUMA NOITE TRISTE DE NATAL
Lá estava ele, como sempre esteve em todos os santos dias, acomodado sobre papelões velhos, ensebados e encardidos, sob a marquise daquele velho prédio. Não entrava nele porque as portas foram atijoladas. Comia restos que colhia aqui e acolá ou que alguma alma caridosa lhe viesse servir. Cabelos brancos, sujos e em desalinho que caiam mal cortados pelo rosto sulcado e pelos ombros arquejados, davam-lhe um aspecto mais envelhecido do que era. Acreditava em Deus, e em suas preces almejava um dia passar um natal em família. Queria ser adotado por apenas um dia, e sentir o prazer da magia da noite de natal. Não conheceu o pai, e sua mãe? bem, era uma prostituta, morreu quando ele era ainda pequeno. Viveu sempre na rua . Fisicamente era feio, mas, creio eu, que por dentro era uma boa alma. Nas noites que antecedia o natal, o piscar das luzes das árvores e dos enfeites das casas exercia nele uma magia inexplicável. O que mais lhe tocava o coração era ver as crianças correndo felizes para o abraço de seus pais. Ele nunca fora abraçado por ninguém. Ficava ali sentado, matutando e se vendo feliz no meio daquelas famílias. Se lhe dessem a oportunidade para escolher um presente ele pediria apenas um abraço. Este era o presente que mais desejava na vida. Na noite em que antecedeu o Natal, já quase adormecendo, após suas suplicantes preces, a esse Deus que ele nunca viu, mas que acreditava existir em algum lugar, percebeu que alguém vinha caminhando em sua direção. Envolto em luz, e com sorriso maravilhoso, foi se achegando. Colocou-se de joelho, para ficar da mesma altura, e colocando sua mão no ombro dele disse: - Vim lhe dar um abraço e desejar uma boa noite, e um feliz natal. Fez o mendigo se levantar e num amplexo divinal permaneceram por longo tempo entrelaçados. E a divinal criatura completou: - Agora você deve ir a cada casa e dizer que você é o próprio Jesus; Peça para entrar e ficar um pouco na festa que celebram para você. O mendigo não conseguiu entender e respondeu - Mas como eu, um pobre mortal, insignificante criatura possa ser Jesus? - Apenas faça o que digo. A criatura foi se afastando aos poucos e desapareceu mais adiante. Entre admirado e incrédulo resolveu fazer o que a divinal criatura lhe tinha pedido. Nunca tinha feito isto antes, abandonar o seu próprio território, mas criou coragem e foi. Bateu palmas na primeira casa e um casal atendeu, com a porta entre aberta perguntando. - O que você quer? Não temos nada! - Sou Jesus e vim para a minha festa! - Some daqui! vamos chamar a polícia. Foram muitas as casas e muitas foram as ameaças. Na última tentativa, da casa surgiram duas crianças que vieram inocentes, contentes perguntar o que ele queria. - Eu sou Jesus e vim para a festa que estão celebrando pelo meu nascimento. As crianças felizes correram para casa, e puxando o mendigo pelo braço gritavam. - Mamãe, papai Jesus está aqui. Ele existe e veio festejar conosco o seu aniversário. Na porta de entrada estavam o pai e a mãe que recolheram de imediato as crianças, e dando uma descompostura, puseram o mendigo prá fora do portão. - Mas pai, ele é Jesus e veio para a festa dele. - Deixem de besteira, ele é um vagabundo que vive na rua. - Mas ele é Jesus, ele disse para nós, insistiram as crianças. - Vocês acham que Jesus é tão feio e mendigo? e bateu a porta com violência. Ele ainda conseguiu escutar estas últimas palavras. Ficou triste e foi se embora. Já era madrugada, e ainda em muitas casas a festa continuava. Num caminhar desolado foi chegando ao seu canto que num canto deste recanto era o canto maravilhoso que tinha. Comeu alguma migalha que lhe restava e repartiu este pouco com o cachorro vadio que se achegou. Adormeceu feliz lembrando do único abraço que tinha recebido em toda sua vida. Sentia ainda o calor dele. No dia seguinte a Prefeitura recolhia um corpo inerte mas estampando no rosto um belo sorriso.
Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 11/12/2012
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |