EXCOMUNGADO
EXCOMUNHÃO
por: Mario dos Santos Lima Ctba. 14 de abril de 2013. Entende-se por excomunhão a punição religiosa aplicada, por quem de direito, para retirar ou suspender um crente descrente, baderneiro de uma comunidade religiosa. A palavra significa literalmente colocar alguém fora da comunhão. A excomunhão, no entender de algum praticante, vai retirar dos braços de um deus o infiel, e jogá-lo no garfo tridente e quente do capeta. É um jogo político lá dos altos, entre o criador e seu adversário capeta, assessorado pelos praticantes aqui da terra. Bem, quando garoto eu tinha muito medo da excomunhão, e por isso procurava ser aparentemente obediente, não praticando muitas traquinagens, pelo menos aquelas que ficavam muito na vista. Eu era um verdadeiro santo enquanto dormia, e meus pais tinham verdadeiro orgulho de meu exemplar comportamento debaixo das cobertas. Por puro interesse, e não para compartilhar com esta divina política, gostava de ajudar o Frei Dionísio nas cerimônias religiosas e alguns afazeres na Igreja. Sempre rolava, depois das rezas, um bom vinho, - o vinho do padre, - acompanhado de uns quitutes que sua boa mãe velhinha fazia. O Frei Dionísio, além de tempestuoso na lida com seus semelhantes, era extremamente cuidadoso e meticuloso no santo ofício. Toda a cerimônia tinha que seguir religiosamente os procedimentos que ele incansavelmente nos ensaiava, e não poderia ter qualquer deslize. Qualquer erro era fatal. Nós, coroinhas, subíamos os degraus até ao altar para ajudar na cerimônia, mas sempre se cagando de medo. - A brasa no turíbulo tem que estar ardendo! repetia sempre ele para os coroinhas. - Tem que estar quase em labareda! reforçava ainda. Balançar, de um lado para outro, o turíbulo, e de quando em quando soprar as brasas, era o suficiente para manter as brasas acesas, completamente abrasadas. Eu curtia tudo aquilo. O incenso queimando no turíbulo, e em rolos de fumo branco subindo em dança maluca até o teto da Igreja, a água benta aspergida no povo que com sinal da cruz a recebia, a reza em latim que só Deus e o Frei entendiam, tudo, apresentado conforme Jesus Cristo queria, me fascinava imensamente. Paramentado de vermelho e branco, com aquela saia que se perdia lustrando meus sapatos, era coisa que não curtia muito, mas se era por ordem do altíssimo, que os guris ali no altar teriam que estar travestidos, eu ia para o sacrifício, e sempre, é claro, pensando que depois ia tomar o vinho e comer as guloseimas que a mãe do Frei fazia. Valia o sacrifício! A cerimônia corria solta, e eu, ao pé do altar fazia o turíbulo voar de um lado ao outro vendo as brasas, quase em chamas crepitarem felizes. Até pareciam crianças que aos gritos perdiam o fôlego no vai e vem do balanço. O frei fez o sinal para que eu subisse para que ele adicionasse o incenso. Subi os degraus, medroso, olhando as brasas ainda crepitando. Posicionei na boa altura o turíbulo e o Frei colocou duas medidas de incenso. Num preciosismo exagerado eu, desesperado, levanto um pouco mais o turíbulo, que ficou posicionado na altura do rosto do frei. Olho o braseiro e não satisfeito, tentando ativar mais ainda as brasas, solto um violento assoprão. Era tudo o que o diabo queria. A cinza, como um tufão, foi povoar o rosto do frei que as tontas, completamente cego gritou uns palavrões que estavam completamente por fora do que deveria ser proferido no cerimonial. Jesus e os Anjos devem ter abandonado a Igreja. Os fieis em polvorosa se escafederam da cerimônia. Furibundo, completamente enlouquecido, soltando fogo e cinzas pelas ventas, ali mesmo o Frei Dionísio decretou minha excomunhão. Com isso, lamentavelmente perdi meu vinho e as guloseimas da mãe do frei, e ainda consegui ver o filho de uma puta do capeta, dançando no altar rindo de mim.
Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 14/04/2013
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