UM MONSTRO DO RABO PELUDO
Aquele sábado estava ensolarado, um tanto morno, sem qualquer vestígio de nuvens que manchasse a imensidão azul; era de fato um lindo sábado. Enquanto eu iniciava a limpeza geral e lavagem do carro a Alice, puxando o carrinho, seguia até a feira, que ficava ali na esquina próxima, para as compras de verduras. A feira era tradicional aos sábados, e ocupava a rua toda, com as barraquinhas, nas calçadas, de um lado e do outro da rua, formando um corredor entre elas. Nesse corredor fervilhava gente, que aos encontrões, no vai e vem com seu carrinhos e sacolas, comprava coisas aqui e acolá. Os carrinhos de feiras, naquela época eram todos iguais. O fabricante deles deveria ser um empreendedor monopolista; Com certeza um inventor de saco cheio com a mulher, sogra e filhas, que gostavam de ir a feira, e usavam o porta mala do carro dele, uma Ferrari, para transportar as verduras. A Alice, como tantos outros, tinha por hábito deixar o carrinho no corredor, e de um lado ao outro, passando por diversas barracas, buscava pelas verduras e legumes, pesquisando preço e qualidade. O nosso médico proibiu qualquer comida gordurosa e a nutricionista elaborou um cardápio com muitas verduras e legumes. A Alice fazia questão de seguir religiosamente o que estava prescrito. Eu ainda estava no processo do embelezamento do meu fusca 66 quando vejo surgir, do meio da multidão, a minha graciosa loira, puxando o carrinho de feira repleto de compra. Larguei o que fazia e fui ajudá-la. Deixei o carrinho no meio da cozinha e voltei para a minha atividade inicial. Tudo parecia normal, mas de repente ouço um grito de pavor vindo de dentro da casa. O grito ecoou pelas cercanias fazendo os vizinhos saírem à rua, e o povo da feira bater em retirada. De cabelos arrepiados e de expressão assustadora, sai de dentro de casa a Alice gritando: - Tem um monstro peludo lá dentro e ele está no carrinho de verdura! Ela estava desfigurada, em estado de choque. Corri para protegê-la sentando-a no banco do carro. Alguém trouxe água com açúcar para ela. Eu e uma dezena de vizinhos, armados de cacetes, facas e até revolver, fomos cuidadosamente adentrando a casa afim de liquidar o monstro. O pavor é o saco encolhido do medo. O medo cria imagens fantasiosas, e proporciona com isto um estado de alerta e de auto defesa. Desta forma ficamos à mercê da fantasia. Naquele momento, pelo meu anus não passava uma fina agulha de costura, e sentia o gosto de meus grãos, que se recolheram covardes quase na minha garganta. Ao abrir, vagarosamente, medrosamente, a porta da cozinha, o ranger dela fez arrepiar cada pêlo que cobria meu corpo. Eis que lá estava ele, intacto, do jeito que deixei, esperando para ser descarregado e sem vestígios do monstro. Entreolhamo-nos, e nos nossos olhos pairou silenciosa a pergunta: - E o monstro? onde está este famigerado monstro? Procuramos, com cautela, por todos os cantos; atrás das portas; dentro dos guarda-roupas; debaixo da cama, e nem vestígio do maldito. Alguém grita apavorado lá da cozinha: - Encontrei o monstro! o rabo peludo dele está aqui para fora do carrinho. Incontinente, estávamos na cozinha olhando para o carrinho. Enfiado por debaixo das verduras, deixando o rabo peludo vazado por entre as fendas do carrinho, lá estava o monstro. O que estava armado, não perdeu tempo, descarregou o revólver. Aguardamos alguns minutos, e como o monstro não se mexeu, supostamente estando morto, resolvemos, com cuidado, esvaziar o carrinho. Enquanto o processo era executado alguém comenta: - Quero ser convidado para sua feijoada! Olhando curioso para aquele monte de orelhas de porco, pés de porco e rabo peludo de porco que estavam dentro do carrinho, todo perfurado de balas, conclui: - A Alice, com certeza, na hora de vir embora, pegou trocado o carrinho! Já refeitos do medo, olhando uns para outros, caímos na gargalhada.
Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 07/05/2013
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