Mario dos Santos Lima

Vivo intensamente o agora

Textos

UM PAÍS DE MULAS

Conta a lenda que em um certo lugar, prá lá de distante, e desconhecido, viviam as mulas, numa situação cômoda, relinchando feliz. Muita pastagem e água limpa à vontade.
Esta terra era coberta por um verdejante e viçoso capim, cercada de rios e lagos que da cor deles se confundia com a do céu.
Estas mulas não se incomodavam com nada pois tinham nas verdes pastagens a alimentação, e bem alimentadas, é claro, tinham saúde. Estas mulas tinham muito espaço disponível. Dormiam juntas ao relento, porque não tinham teto, no entanto, na santa ignorância delas, eram felizes.
Eram analfabetas e só sabiam relinchar. A educação básica e profissionalizante era proibida pelos deuses.
Não precisavam se alfabetizar e nem se incomodar com coisa alguma, visto que seus deuses proviam tudo, com uma tal bolsa mula..
Os deuses eram mulas aceitos e eleitos pelo povo mula. Eram mais sabidas, tinham foro privilegiado e queriam o poder pelo poder.
Os deuses viviam em campos muito mais verdejantes e saudáveis e comiam manas especiais produzidas pela grama com imposto pago pelas mulas, e dormiam em cocheiras foliadas em ouro.
Tudo ia indo muito bem, até que um dia o monstro chamado maldição desceu sobre este longínquo lugar.
A maldição veio transvestida de uma mula enorme, de tamanho descomunal que ressurgiu, com certeza, dentre os mortos. Trazia, como arma, uma inveja e ganância do tamanho de seu tamanho.
O congresso dos deuses mulas legislava sempre em favor próprio. Como não poderia deixar de ser, em primeiro lugar, para melhorar a vida deles, e depois, as migalhas do que sobrava, era destinada então para o povo mula, em forma de bolsa mula, bolsa ignorância,  e outras bolsas tantas.
A maldição mula, para criar confusão, assoprou na orelha grande de cada deus, sugerindo a construção de um enorme circo nas verdes planícies do povo mula. E os deuses mula viram nessa sugestão uma grande oportunidade para desviar mais e mais grama para o bucho deles, e para as cocheiras fiscais.
Concordaram, e anunciaram em rede relincho, ao povo mula a grandiosa obra, mas sem justificar e informar para que serviria esta maldita construção.
O circo começou a ser erigido.
As mulas analfabetas pastavam despreocupadas. Nos verdes prados nada a elas faltava. Bem alimentadas, com a imensidão de pasto, a saúde vicejava. O sistema de comunicação era de relincho em relincho de uma para outra. No vale verdejante reinava a paz; pertencia ao povo mula sem qualquer depredador mula presente.
Mas a extravagante obra tomava forma e invadia espaço..
Os deuses estavam felizes com a construção superfaturada que trazia a eles muita grama para seus celeiros. O circo estava ocupando o pasto, e o canteiro de obras estava depredando a grama existente. A construção atraiu terríveis animais de fora e com isso apareceram os tigres, leões e hienas. As mulas começaram a sofrer agreções, estupros, e mortes.
A situação começou a ficar insuportável.
A água dos rios e lagos antes limpos agora recebiam detritos fecais, e a grama arrancada aos montões diminuía a olhos vistos.
Foi proibido, por decreto, o relinchar para não atrapalhar a concentração dos operários. Sem relincho as mulas não se comunicavam. Enquanto os deuses se refestelavam  em doçuras em suas lindas cocheiras, as mulas amargavam um pasto cada vez menor e de grama cada  vez mais rala. O povo mula era mutilado, comido pelos terríveis carnívoros que não gostavam de grama.
Já magras as mulas começaram a ficar doentes.
A estratégia da maldição estava dando resultados.
A maldição queria ver o circo pegar fogo, e então começou a futricar nas orelhas do povo mula:
- Vocês são bestas filhas de uma égua rampeira! Não devem aceitar esta situação! Devem se reunir em bando patear expulsando os intrusos, e dar um coice no traseiros destes deuses imbecis e aproveitadores. Devem parar a construção deste circo que só está consumindo a grama e não vai trazer qualquer benefícios para vocês. Esta obra não vai servir nem para cocheira. Vocês devem votar contra a PEC ignorância.
Pronto! a mulada estava alvoroçada e puta da vida com a situação. A mulada finalmente acordou.  As mulas saíram para o pasto relinchando a ordem do dia.
- Mulas unidas jamais serão vencidas! Abaixo o circo! Abaixo os deuses! abaixo os miseráveis animais predadores! Queremos o nosso verdejante pasto de volta e nossos rios e lagos despoluídos! Queremos relinchar livremente!
Pateando a tropa de mulas cercou o circo, e fez com que os leões, tigres e hienas batessem em retirada.
Os deuses apavorados se reuniram, e prometeram em rede nacional desmanchar o circo, e voltar a planície como antes era.
A  mulada aproveitou e pediu que os deuses mulas fossem fazer festa em outro lugar. Fossem para a rampeira que os pariu.
Os deuses em prantos, por ter perdido a teta, se foram.
Por unanimidade as mulas concordaram que o melhor também seria mandar junto aos deuses a mula maldição.
E assim se cumpriu.
A mulada hoje vive sem o desmando dos déspotas mulas deuses, se preparando para votar em outros deuses que tragam a elas paz, prosperidade, saúde, segurança e educação.
Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 22/06/2013
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras