Mario dos Santos Lima

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O VÔO 375 DA VASP
VOO VASP 375
Por: Mario dos Santos Lima
- A balsa está à deriva! Alguém gritou. Esse grito foi uma punhalada nas minhas intenções.
Era para ser uma viagem tranquila de negócios.
Na localidade de Leopardo, em Humaitá tem um lote de terra as margens da transamazônica. Precisava ser verificada a situação de assentamento irregular e da situação legal no Incra.
O Tiquinho nunca tinha viajado de avião e pôs a vida dele em risco bem como a minha num voo pela Varig até Porto Velho. Dia 25 de setembro de 1988, não respeitou nem meu aniversário. Apenas me cumprimentou rapidamente e nos dirigimos ao balcão da Varig para o checkin.
As duas passagens compradas e marcadas para aquele horário estavam ok. Não sei que banda, se eram os Nirvanas ou Legião Urbana que tinha se apresentado em Curitiba veio em bando e lotaram o avião inclusive tomando os nossos dois assentos. Filhos de uma puta. Dei uma bronca, xinguei a mãe da atendente, dancei em cueca e acabei me dando mal pela decisão. O voo que eles nos dispuseram foi um da Vasp.
- Você já viajou em ônibus pinga pinga?
Foi assim o voo da VASP
O voo pela Varig que duraria no máximo 5 horas tornou-se um pesadelo de mais de 12 horas até chegar em Porto Velho. A VASP nos apresentou o Brasil todo em escalas pelas capitais do nordeste e norte do país. Quem nunca tinha viajado de avião foi uma enxurrada de horas. O Tiquinho, com muito medo teve que trocar diversas vezes de cueca.
Finalmente, chegamos a Porto Velho cansados, estropiados, sujos e famintos.
O hotel estava reservado.  Pegamos o carro alugado. Um banho um jantar leve e cama.
Bem cedo rumamos a Humaitá. Para pegar a rodovia tivemos que atravessar de balsa o Rio Madeira. Um asfalto precário com pontilhões em madeira para passagem de apenas um veículo. Quase 200 quilômetros separa Porto Velho de Humaitá. Chegamos um pouco antes do meio dia e fomos direto à Prefeitura e cartório para verificar os papeis do terreno.
O terreno, alvo de nossa vistoria tem vinte quilômetros margeando a rodovia Transamazônica.
Percorremos toda a extensão do terreno. Tiramos algumas fotos. Conversamos com alguns moradores dos arredores e resolvemos retornar em vista de que aparentemente estava tudo em ordem.
A ideia era chegar a noite em Porto velho e no dia seguinte embarcar no voo 375 da Vasp para retorno a Curitiba. A passagem estava comprada e confirmada.
O pessoal da Vasp deve ter cansado de anunciar a última chamada para o embarque.
- Vamos pegar tranquilamente o voo de retorno! Pensava eu conjecturando comigo mesmo enquanto dirigia retornando a Porto Velho.
Tudo estava correndo às mil maravilhas, mas de repente o riozinho que corta a estrada, antes de chegar em Humaitá estava deglutindo um caminhão. Quase todo engolido pelo rio, apenas os faróis apareciam que em lágrimas pedia socorro. O motorista, inabilmente colocou o caminhão em cima da balsa e conduziu-a até margem. Não fixou bem a balsa no barranco e ao tentar sair a balsa foi expelida para trás e o caminhão, sem nada por baixo foi de prancha despencado no rio.
Era a única balsa e o único local para a ancoragem estava tomada pelo quase engolido caminhão. O rio saboreava gulosamente o caminhão e ria da nossa desgraça.
Chega uma carreta frigorifica, vinda de Lábrea carregada de peixe. Amarra uma corrente e tenta salvar o caminhão do aguamento rio. Não conseguiu. E o rio se divertia. Chegou mais uma carreta. As duas se engancharam, uma na bunda da outra para tentar retirar o caminhão, já quase moribundo que se afogava aos poucos. Esforço inútil para alegria do turbulento rio.
- O esforço é inútil, vamos deixar para amanhã! Resolveu um dos caminhoneiros.
Eu e Tiquinho resolvemos participar do jantar que os motoristas das carretas estavam preparando. Tiraram um peixe enorme do caminhão, prepararam uma fogueira e começaram a assar o dito cujo.
Um pequeno descuido e lá vem os índios da região, armados de setas e tacapes para afanar o peixe quase pronto, em gritos selvagens os índios se embrenharam mata a dentro com nosso jantar. Mesmo com fome, só arroz sem peixe é muito saudável!
Dormimos a sono solto, todo retorcido no carro. No dia seguinte foi retirado a vítima do rio e com isso livrando a passagem.
- Pelo cálculo daria para chegar com folga para o embarque! Fui dialogando comigo, pois o Tiquinho já tinha “jogado os Bétis”.
Rumamos para Porto Velho.
Chegamos e deparamos com uma fila enorme para o embarque na balsa para atravessar o rio. Muitas carretas. O nosso carro, um gol com certeza terá um lugarzinho para ele. Lêdo engano.
Todos, que estavam a minha frente embarcados. Eu acelerei para entrar e o capeta que estava controlando o embarque colocou a mão espalmada para mim sinalizando que eu estaria no próximo embarque.
O Tiquinho resolveu embarcar para me esperar de outro lado do rio.
Calculei o tempo de ida e volta da balsa e correu um frio pela minha espinha que nasceu nos meus fundilhos e foi morrer cheiroso com gosto amargo na minha boca.
Temos que chegar, pagar o hotel avisar a empresa que alugou o carro e sair rápido para o aeroporto.
A balsa vindo de volta já estava no meio do rio. Eu Seria o primeiro a entrar e consequentemente o primeiro a sair. Um olho na balsa e outro no relógio.
- A balsa está à deriva! Alguém gritou. Esse grito foi uma punhalada nas minhas intenções.
A balsa sonolenta, preguiçosamente estava descendo o rio.
Mais adiante o balseiro conseguiu que a balsa entrasse num remanso.
Conseguiu ligar novamente os motores.
E lá vem a balsa finalmente atracando no barranco.
Chegamos ao hotel, para surpresa as nossas malas estavam na portaria com placa de vende-se.
Eu acho que o dono do hotel, para fazer isso imaginou que nós simplesmente demos no pé.
Imediatamente fomos ao aeroporto para tentar não perder o voo. Ficamos frustrados, pois depois de anunciar diversas vezes os nossos nomes a aeronave percorreu a pista, e sem olhar para traz alça voo.
Esperamos meia hora e pegamos outro voo.
Finalmente chegamos à Curitiba.
Uma galera chorosa estava nos esperando.
- Mas por que do choro? Perguntei.
Vocês estão vivos.
O voo 375 da VASP que perdemos em Porto Velho tinha sido sequestrado e na lista de passageiros constavam os nossos nomes.
Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 23/11/2024
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